19/11/2010 – “Os três vinhedos de Van Gogh” 

Por Marcelo Copello (da minha coluna na revista Gosto número 15) 

No último 21 de agosto os jornais de todo o mundo noticiaram que o quadro “Flor de Papoula” de Vincent Van Gogh (1853-1890) havia sido roubado do museu do Cairo. Hoje esta obra vale a bagatela de US$ 55 milhões. O holandês, contudo, morreu na miséria e vendeu apenas um quadro em vida.

                                                                 

A paixão intensa deste gênio da pintura, explícita em cada forte pincelada, também abraçou o vinho. Van Gogh viveu uma parte importante de sua vida na região vinícola de Arles, na Provence, sul da França. Nos 15 meses em que lá esteve (entre 1888 e 1889) pintou mais de 200 quadros, fez cerca de 100 desenhos e escreveu 200 cartas, boa parte destas a seu irmão Théo (registradas no livro “Cartas a Théo” – L&PM, Porto Alegre, 2002). Em uma destas cartas o mestre confessa beber muito vinho: “todos os dias tomo o remédio prescrito por Dickens contra o suicídio: vinho, pão, queijo e tabaco”.
O filme “Sede de Viver” (Lust for Life, EUA, 1956), dirigido por Vincent Minnelli com Kirk Douglas como Van Gogh, mostra a passagem do artista por Arles e o momento de suas criações ao ar livre, lutando contra o vento mistral, que assola a região.
A única tela de Van Gogh vendida em vida chame-se “A Vinha Vermelha” (pintada em 1888 em Arles), e sela sua relação com o vinho. O próprio autor descreve sua obra como “um vinhedo vermelho, todo vermelho como vinho tinto. Ao fundo, no céu com sol, o vermelho se transforma em amarelo e depois em verde. Na terra depois da chuva os tons são de violeta com reflexos dourados do sol”. A obra foi comprada pela pintora belga e patronnesse de diversos artistas Anne Boch (irmã do também pintor Eugène Boch), por míseros 400 francos.
“A Vinha Vermelha” foi pintada em novembro, o que indica que 1888 teve uma colheita retardada (e chuvosa), e sugere que as uvas retratadas sejam Grenache e/ou Carignan, castas tardias típicas da região. Este, entretanto, não foi o primeiro nem o último vinhedo de Van Gogh. No mesmo ano, dois meses antes (portanto na mesma e longa colheita), ele pintou “A Vinha Verde”. Nesta obra vemos manchas alaranjadas em meio à paisagem verde, o que, segundo o crítico inglês Stuart George, seriam indicativos de ataque do vírus Leafroll (que reduz o rendimento e adia a maturação) e de presença de Phylloxera (praga que gravemente a Europa exatamente no final dos anos 1890).
                                                               “A Vinha Verde"

                                                                
Na véspera do Natal de 1888 Van Gogh cortou sua própria orelha e entregou-a a uma prostituta chamada Raquel. Há várias teorias que tentam explicar o fato, mas nenhuma conclusiva. Fala-se que inspiração do ato insano foi uma tourada vista na véspera, em que o
o matador, arrancou a orelha do touro, oferecendo-a, como trofeu, a uma dama na arquibancada. Outra possível inspiração poderia ter vindo da série de artigos do jornal de Arles um mês antes sobre “Jack, o estripador”, que mutilava o corpo de prostitutas, algumas vezes cortando-lhes as orelhas. Seja como for o estado de saúde física e mental do pintor piorou e o levou a se mudar para Auvers-sur-Oise, perto de Paris. Uma de suas últimas telas foi seu vinhedo mais sereno o “Vinhedo com vista de Auvers de junho de 1890. Esta plácida obra mostra um vinhedo verde em uma colina cercado de casinhas brancas com chaminés.
                                                   “Vinhedo com vista de Auvers
Vincent Van Gogh cometeu suicídio em 29 de julho, apenas um mês depois de pintar seu último vinhedo e apenas cinco meses após a venda da “Vinha Vermelha”. Pelo visto em Auvers o grande artista careceu de algo que era abundante em Arles, o “remédio de Dickens”.
 Fonte:
Marcelo Copello (mcopello@mardevinho.com.br)
                          
                                                           www.mardevinho.com.br

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